Vai Voar

Vai voar. Cê tem asa, cara. Vai lá sentir o beijo do mundo. Depois vem me contar; contar em detalhes como é o chão e o tambor da África, a chuva que cai na muralha e molha os olhos puxados. Vai ver beija-flor – se existir – na Alemanha.

Vai voar. Cê tem a chance, cara. Vai lá sentir o abraço da terra que nunca te viu antes. Pra quando chegar, contar tudo; contar se é em inglês o latido do cachorro irlandês, se dói muito cair de bike no Japão. Quando puder, mande uma carta. E-mail não vale. Quero saber como são as cartas da Rússia e se sua letra muda quando está com frio.

Daqui eu continuo refletindo no trânsito, no metrô ou no busão. Pensando que o que vejo é apenas uma parte do todo. Que o todo tem mais mundo que esse caos cheio de rotina. O todo tem trips para lugares de céu mais azul com gente que conhece muito daquilo que não conheço nada. Você tá conhecendo mais partes do todo. Admiração é a palavra.

E, voando por aí, lembra de mim. Aquele parça cheio de sonhos na arte, de desejos com liberdade. Eu, seu amigo não viajado, quero que conte como é o mundo que tem aí fora. Isso me ajuda a construir o mundo que tem aqui dentro. Dentro de mim.

Porque um dia eu vou viajar, mas enquanto eu não for, vai por mim. Cê tem asa, cara.

Texto de Fábio Chap.

Perder-se

Não coma entre as refeições, mas se alimente a cada três horas. Trabalhe um terço do seu dia, faça exercícios regularmente, leia mais livros, mantenha-se informado, nunca pare de estudar. Troque seu carro anualmente, você precisa de um celular novo, seu anti-vírus está desatualizado. Faça check-ups duas vezes ao ano, pague plano de saúde, seguro de vida, IPTU, IPVA e outros impostos que você nem sabe que paga, nem pra que servem. Trabalhe, ganhe, perca. Inspire, respire e, se der tempo, suspire. Se. Se der tempo, faça uma viagem. Se sobrar um espaço na agenda, tire um dia pra você. O prazer é um luxo e deve ser racionalizado para os momentos de desespero, quando o peso da rotina ficar insuportável.

Essas regras não servem pra mim. Não tenho vocação pra bailarina, tenho fobia de linha reta, tenho o corpo livre, o espírito solto, sou do mundo, das pessoas, das conquistas, das novidades, vou construindo fatos e lembranças nas esquinas. A vida que tem lá fora gritou e eu não ouvi. Agora me movo a passos curtos, ziguezagueando por entre mudas de flores recentes que querem ser botão. Eu quero ser flor: quero terra viva que se mova e me faça mover.

Olha, eu acho mesmo é que falta coragem. E tempo. Tempo de olhar em volta e coragem de bater de frente. Quando foi a última vez que você tomou banho de chuva sem se preocupar com o celular no bolso, os cartões do banco, a chapinha, o sapato que não pode molhar? As pessoas têm que se permitir. Aprender o atraso, o olhar em volta. Mudar o caminho de todos os dias e se perder no seu próprio bairro. É o que tenho feito, me perder. E devo dizer que estou muito feliz por não encontrar o caminho de volta.

Texto: Verônica Heiss